20 agosto, 2006

Ausências

Em Rosário, na província argentina de Santa Fé, elas estão por toda parte. Em muros, nas ruas, na porta de uma escola, em uma fábrica abandonada ou na casa onde funcionou um centro de torturas na época da ditadura militar. Pintadas desde 1995 por Fernando Traverso, as bicicletas estão lá, como uma marca, uma cicatriz em cada parede. Por quê?
"Eu quis falar das ausências, e não poderia utilizar outro elemento que não fosse tão nobre. Porque você não pode pensar que quem usa uma bicicleta seja um oligarca ou um militar. Quem usa uma bicicleta é um trabalhador ou é filho de um trabalhador".
Traverso recorda que, durante o regime militar, os amigos que se exilavam deixavam sempre suas bicicletas penduradas nas garagens. E lembra uma história marcante que viveu.

Um dia, em 1976, devia encontrar-se com um companheiro da Juventude Peronista. Quando estavam os dois quase frente a frente, Traverso viu o colega abandonar sua bicicleta e seguir caminho, um código para indicar que havia perigo. Não se cumprimentaram, sequer se olharam. Logo em seguida, o companheiro foi seqüestrado, e permanece desaparecido até hoje. A bicicleta ficou lá, presa com cadeado.
Essa bicicleta vazia é a que todos nós deixamos. Eu também deixei a minha, na garagem de minha casa.
Por isso Traverso se pôs a desenhar bicicletas pelas ruas. Traçou como meta criar 350 delas, pois esse era, segundo a Comissão Nacional sobre Pessoas Desaparecidas, o número estimado de homens e mulheres que haviam desaparecido na cidade durante a ditadura.
Ponho-as ali com a ilusão de que voltem para buscá-las.

Um comentário:

Mcleod disse...

Esse cara é legal. Rosário também é legal. Você é um cara legal. Eu ando ilegal...